terça-feira, 30 de agosto de 2016

Roteiro - texto

Roteiro –


Todo roteiro meu tem um motivo pelo qual eu o escrevi, uma espécie de história antes da história, o que o originou e o que eu estou querendo dizer.
De posse da minha idéia fui para o computador pensando como transformar isso tudo em um texto teatral: banheiro, humores perdidos, porta de armário chata, filosofia no banheiro. Como?
Associação de idéias de novo: o que eu queria dizer? O que eu queria mostrar? Como é frágil o estado de espírito humano e como é preciso sabedoria para preserva-lo. Como um dia que começa perfeito pode terminar péssimo, e às vezes por uma coisa boba e sem tanto sentido. Como algo que é grande pra mim pode ser pequeno pra você – e do exagero de uma emoção muitas vezes vem a graça – embora eu não estivesse perseguindo o objetivo de ser engraçado no texto.
Como um dia que era perfeito pra você pode se transformar num dia péssimo e ainda assim ser perfeito pra outra pessoa.
Foram as idéias que eu fui tendo.
Mas pra contar tudo isso não queria contar o que muitos já leram. Ia escrever uma coisa daquelas? Um roteirista no banheiro com problemas com a porta do armário? Não, eu já estava muito além disso.
Bem, precisa de um personagem.
Quem era ele? O que fazia? De onde vinha e para onde ia?
Quanto mais detalhes você der dos personagens para si, e para o diretor e atores que irão encenar o seu texto, melhor pra tudo mundo. Em cada lacuna que você deixar eles serão obrigados a criar, pra preencher os vazios deixados pelo escritor.
Então quem seria meu personagem? Um homem de seus 25-30 anos.
Quando chega na hora do nome é fogo. Pra mim o nome tem que ter a cara do personagem que eu estou imaginando. Eu preciso sentir que o nome combinou com o personagem.
Pra isso preciso de mais dados: onde ele mora? Na cidade. Numa cidade média ou grande. Tanto faz nesse caso, mas tem que ser num prédio. Você vai ler depois porque (não quero estragar a surpresa).
Trabalha onde? Num escritório. Num escritório de um banco, onde tem mais contato com papéis e chefia, nada de clientes (eu gosto desse tipo de personagem). Então ele tem cara de que?
Tenho um dicionário de nomes aqui em casa, mas fica na biblioteca a uns 5 passos do computador – o que na hora em que você está digitando é o mesmo que dizer que fica a 5 milhões de anos-luz. Já pensou parar de escrever pra ir pegar o dicionário e daí procurar um nome?
Então, sentindo o personagem aqui na minha frente pedindo pelo amor de deus um nome, eu fito os olhos dele e arrisco: Astrogildo?
Pela cara que ele fez claro que não. Emiliano?
Francisco? Daí vira Chico, sei lá. Não tem cara disso. Apelido? Não, nome mesmo. É um nome pro roteiro, eu sei. Já visualizei a peça e sei que ninguém vai falar o nome dele. Mas eu preciso saber o nome dele. O diretor precisa saber. O ator nem se fala. Um nome é um nome, coisa importante.
Estou descrevendo tudo isso pra você ver o dilema que é colocar um nome em um personagem. E como um nome é importante. Tem gente que não se preocupa com isso – e o nome fica falso depois.
Vou vasculhando meu arquivo mental de nomes: Tonho? Não, ele não é da roça. É um cara da cidade (mais uma descrição, dessa vez ajudada pelo nome). Valério? Depois das CPIs melhor não. Cindi? Nem sei porque pensei nisso, mas tenho certeza que não – ele é hetero e jamais seria Cindi.
Miltinho. Parece nome de pessoa mais velha. Sobretudo porque eu conheço um Miltinho que tem uma auto-elétrica e uns 50 anos, daí...
Opa, cuidado pra não se perder nas idéias e nas associações delas. Senão logo você vai levar seu carro pra consertar e o roteiro fica ali pra nunca mais ser feito.
De tudo que eu pensei gostei mais de Marcos. É um nome comum mas nem tanto. Curto, nada muito chamativo (como Xenofonte, por exemplo), bem o nome de um cara comum numa vida comum (que me desculpem aqueles Marcos especiais...). Gostei: ele tem cara de Marcos.
Mas e quanto ao Tempo? Onde ele está? Quando se passa a trama?
A trama se passa nos dias de hoje. Pode estar acontecendo agora.
Onde? E o cenário? Já sabemos que ele mora num apartamento. Preciso que seja ali pelo 5o. ou 6o. andar. Pode ser um pouco mais pra cima.
Preciso do quarto dele e do banheiro – e que os 2 sejam conjugados, como numa suíte. Como é o quarto dele? Quarto de rapaz, um tanto bagunçado. Decidi não colocar os tradicionais pôsteres de mulheres sem roupa. Ele recebe visitas ali e não combina com o perfil que ele quer mostrar às visitas.
Ele mora sozinho nesse apartamento. O quarto é de tamanho médio, assim como o banheiro. Ele tem um rádio-relógio que o desperta todo dia. Ele odeia acordar cedo para trabalhar. Até coloca o relógio pra despertar bem antes pra não ter que sair correndo. Porque ele não pega no tranco – acorda aos poucos.
É o tipo do cara metódico que já cronometrou quanto tempo leva pra acordar e deu quase 2 horas. É metódico mas não o esteriótipo a que a palavra remete normalmente as pessoas. Metódico no sentido de ter método, ser organizado, não chato, cafona e ultrapassado.
 Nada de ficar enfiando personagens desnecessários que não acrescentam nada – mas que distraem pra burro – nem cenários ou efeitos mirabolantes.
O truque é: coloque somente o que precisa. Nem mais e nem menos. Só o necessário.
Se você exagerar inviabiliza inclusive a produção da peça. O que será muito chato. Pior ainda é você ver depois que colocou um monte de coisas que simplesmente não acrescentam à história, que não levam a história para frente.
Então abaixo ao supérfluo! Nada de exageros.
Eu vou precisar disso por enquanto:

Personagens:
-    Marcos
-    Narrador do rádio-relógio (que acorda Marcos)

Cenários:
-    Quarto
-    Banheiro

Por agora é só.

É legal você visualizar um pouco do cenário e até dos figurinos pra ir dando pistas pro pessoal da produção. A recomendação é sempre a mesma: só dê o necessário. Se você começar a descreve a cor e o modelo da cueca do Marcos que nem vai aparecer em cena, o diretor vai ficar maluco.


Até a próxima aula!


Ricardo_jz@hotmail.com

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