Roteiro
–
Todo
roteiro meu tem um motivo pelo qual eu o escrevi, uma espécie de história antes
da história, o que o originou e o que eu estou querendo dizer.
De
posse da minha idéia fui para o computador pensando como transformar isso tudo
em um texto teatral: banheiro, humores perdidos, porta de armário chata,
filosofia no banheiro. Como?
Associação
de idéias de novo: o que eu queria dizer? O que eu queria mostrar? Como é
frágil o estado de espírito humano e como é preciso sabedoria para preserva-lo.
Como um dia que começa perfeito pode terminar péssimo, e às vezes por uma coisa
boba e sem tanto sentido. Como algo que é grande pra mim pode ser pequeno pra
você – e do exagero de uma emoção muitas vezes vem a graça – embora eu não
estivesse perseguindo o objetivo de ser engraçado no texto.
Como
um dia que era perfeito pra você pode se transformar num dia péssimo e ainda
assim ser perfeito pra outra pessoa.
Foram
as idéias que eu fui tendo.
Mas
pra contar tudo isso não queria contar o que muitos já leram. Ia escrever uma
coisa daquelas? Um roteirista no banheiro com problemas com a porta do armário?
Não, eu já estava muito além disso.
Bem,
precisa de um personagem.
Quem
era ele? O que fazia? De onde vinha e para onde ia?
Quanto
mais detalhes você der dos personagens para si, e para o diretor e atores que
irão encenar o seu texto, melhor pra tudo mundo. Em cada lacuna que você deixar
eles serão obrigados a criar, pra preencher os vazios deixados pelo escritor.
Então
quem seria meu personagem? Um homem de seus 25-30 anos.
Quando
chega na hora do nome é fogo. Pra mim o nome tem que ter a cara do personagem
que eu estou imaginando. Eu preciso sentir que o nome combinou com o
personagem.
Pra
isso preciso de mais dados: onde ele mora? Na cidade. Numa cidade média ou
grande. Tanto faz nesse caso, mas tem que ser num prédio. Você vai ler depois
porque (não quero estragar a surpresa).
Trabalha
onde? Num escritório. Num escritório de um banco, onde tem mais contato com
papéis e chefia, nada de clientes (eu gosto desse tipo de personagem). Então
ele tem cara de que?
Tenho
um dicionário de nomes aqui em casa, mas fica na biblioteca a uns 5 passos do
computador – o que na hora em que você está digitando é o mesmo que dizer que
fica a 5 milhões de anos-luz. Já pensou parar de escrever pra ir pegar o
dicionário e daí procurar um nome?
Então,
sentindo o personagem aqui na minha frente pedindo pelo amor de deus um nome,
eu fito os olhos dele e arrisco: Astrogildo?
Pela
cara que ele fez claro que não. Emiliano?
Francisco?
Daí vira Chico, sei lá. Não tem cara disso. Apelido? Não, nome mesmo. É um nome
pro roteiro, eu sei. Já visualizei a peça e sei que ninguém vai falar o nome
dele. Mas eu preciso saber o nome dele. O diretor precisa saber. O ator nem se
fala. Um nome é um nome, coisa importante.
Estou
descrevendo tudo isso pra você ver o dilema que é colocar um nome em um
personagem. E como um nome é importante. Tem gente que não se preocupa com isso
– e o nome fica falso depois.
Vou
vasculhando meu arquivo mental de nomes: Tonho? Não, ele não é da roça. É um
cara da cidade (mais uma descrição, dessa vez ajudada pelo nome). Valério?
Depois das CPIs melhor não. Cindi? Nem sei porque pensei nisso, mas tenho
certeza que não – ele é hetero e jamais seria Cindi.
Miltinho.
Parece nome de pessoa mais velha. Sobretudo porque eu conheço um Miltinho que
tem uma auto-elétrica e uns 50 anos, daí...
Opa,
cuidado pra não se perder nas idéias e nas associações delas. Senão logo você
vai levar seu carro pra consertar e o roteiro fica ali pra nunca mais ser feito.
De
tudo que eu pensei gostei mais de Marcos. É um nome comum mas nem tanto. Curto,
nada muito chamativo (como Xenofonte, por exemplo), bem o nome de um cara comum
numa vida comum (que me desculpem aqueles Marcos especiais...). Gostei: ele tem
cara de Marcos.
Mas
e quanto ao Tempo? Onde ele está? Quando se passa a trama?
A
trama se passa nos dias de hoje. Pode estar acontecendo agora.
Onde? E o cenário? Já
sabemos que ele mora num apartamento. Preciso que seja ali pelo 5o.
ou 6o. andar. Pode ser um pouco mais pra cima.
Preciso
do quarto dele e do banheiro – e que os 2 sejam conjugados, como numa suíte.
Como é o quarto dele? Quarto de rapaz, um tanto bagunçado. Decidi não colocar
os tradicionais pôsteres de mulheres sem roupa. Ele recebe visitas ali e não combina
com o perfil que ele quer mostrar às visitas.
Ele
mora sozinho nesse apartamento. O quarto é de tamanho médio, assim como o
banheiro. Ele tem um rádio-relógio que o desperta todo dia. Ele odeia acordar
cedo para trabalhar. Até coloca o relógio pra despertar bem antes pra não ter
que sair correndo. Porque ele não pega no tranco – acorda aos poucos.
É
o tipo do cara metódico que já cronometrou quanto tempo leva pra acordar e deu
quase 2 horas. É metódico mas não o esteriótipo a que a palavra remete
normalmente as pessoas. Metódico no sentido de ter método, ser organizado, não
chato, cafona e ultrapassado.
Nada de ficar enfiando personagens
desnecessários que não acrescentam nada – mas que distraem pra burro – nem
cenários ou efeitos mirabolantes.
O
truque é: coloque somente o que precisa. Nem mais e nem menos. Só o necessário.
Se
você exagerar inviabiliza inclusive a produção da peça. O que será muito chato.
Pior ainda é você ver depois que colocou um monte de coisas que simplesmente
não acrescentam à história, que não levam a história para frente.
Então
abaixo ao supérfluo! Nada de exageros.
Eu
vou precisar disso por enquanto:
Personagens:
- Marcos
- Narrador do
rádio-relógio (que acorda Marcos)
Cenários:
- Quarto
- Banheiro
Por
agora é só.
É
legal você visualizar um pouco do cenário e até dos figurinos pra ir dando
pistas pro pessoal da produção. A recomendação é sempre a mesma: só dê o
necessário. Se você começar a descreve a cor e o modelo da cueca do Marcos que
nem vai aparecer em cena, o diretor vai ficar maluco.
Até
a próxima aula!
Ricardo_jz@hotmail.com