Grotowski
Grotowski
é único porque ninguém mais desde de Stanislavski, investigou a natureza da
representação teatral, seu fenômeno, seu significado, a natureza e a ciência e
seus processos mental–físico-emocionais tão profunda e completamente quanto
ele.
Grotowski
considera seu teatro um laboratório, um centro de pesquisa. Talvez seja o único
teatro de vanguarda cuja pobreza não significa inconveniente, onde a falta de
dinheiro não é justificativa para meios inadequados que, automaticamente,
prejudicam as experiências. No seu teatro as experiências são cientificamente
válidas porque são observadas as condições essenciais. Existe uma concentração
absoluta por um pequeno grupo, e tempo limitado.
O
livro “Em busca de um teatro pobre” de Grotowski é uma fonte importante
de informações sobre arte do ator (seu corpo e sua mente) sem depender de
outros elementos. Para as pessoas diretamente ligadas ao trabalho teatral, um
aspecto do livro que merece destaque é a importância que ele atribui a formação
técnica que obedece a exigências sem precedentes. A sua revolução teatral, a
mais espiritual/religiosa que se possa conceber em termos contemporâneos, só é
possível a partir do momento em que o ator celebrante supera por completo todos
os obstáculos que seu corpo coloca diante dele.
Diz Grotowski: “Consideramos a técnica cênica e pessoal do
ator como a essência da arte teatral”
Alguns
trechos do livro “Em busca de um teatro pobre”:
♦ “Criei-me com o método de Stanislavski; seu estudo
persistente, sua renovação sistemática dos métodos de observação e seu
relacionamento dialético com seu próprio trabalho anterior fizeram dele o meu
ideal pessoal. Stanislavski investigou os problemas metodológicos fundamentais.
Nossas soluções contudo, diferem profundamente das suas; por vezes, atingimos
conclusões opostas”.
♦ Tudo está concentrado no amadurecimento do ator, que é
expresso por uma tensão levada ao extremo, por um completo despojamento, pelo
desnudamento do que há de mais íntimo – tudo isso sem o menor traço de egoísmo
e de auto satisfação. O ator faz uma total doação de si mesmo. Essa é uma
técnica de “transe” e de integração de todos os poderes corporais e psíquicos
do ator, os quais emergem do mais íntimo do seu ser e do seu instinto,
explodindo uma espécie de “transiluminação“.
♦ Pela eliminação gradual de tudo que se mostrou supérfluo,
percebemos que o teatro pode existir sem maquiagem, sem figurino especial e sem
cenografia, sem um espaço isolado para a representação (palco), sem efeitos
sonoros e luminosos, etc. Só não pode existir sem o relacionamento
ator/espectador, de comunhão perceptiva, direta, viva. Trata-se, sem dúvida, de
uma verdade teoria antiga, mas quando rigorosamente testada na prática destrói
a maioria das nossas idéias comuns sobre teatro. Desafia a noção de teatro como
síntese de disciplinas criativas diversas – literatura, escultura, pintura,
arquitetura, iluminação, representação (sob o comando de um diretor). Este
“teatro sintético” é o teatro contemporâneo que chamamos de “teatro rico” –
rico em defeitos.
♦ “O Teatro Rico” baseia-se em cleptomania artística, tomando
de outras disciplinas, construindo espetáculos híbridos, conglomerados sem
espinha dorsal ou integridade, embora apresentados como trabalho artístico
orgânico. Pela multiplicação dos elementos assimilados o “teatro rico” tenta
fugir do impasse em que o colocam o cinema e a televisão. Como o cinema e a TV
são superiores nas funções mecânicas (montagem, mudanças instantâneas de lugar,
etc.), o “Teatro rico” reagiu criando o que foi chamado de teatro total: a
integração de mecanismos emprestados (projeções, por exemplo), palco e platéia
móveis e outros artifícios. Proponho a pobreza no teatro. Renunciamos a
uma área determinada para o palco e para a platéia: para cada montagem, um novo
espaço é desenhado para os atores e espectadores. Dessa forma, torna-se
possível infinita variedade no relacionamento entre atores e público. Os atores
podem representar entre os espectadores, estabelecendo um contato direto com a
platéia.
♦ A composição de uma expressão facial fixa através do uso
dos próprios músculos do ator e de seus impulsos interiores, atinge o efeito de
uma transubstanciação notavelmente teatral, enquanto a máscara preparada pelo
maquiador é apenas um truque. A aceitação da pobreza no teatro, despojado de
tudo que não lhe é essencial, revelou-nos não somente a espinha dorsal do
teatro como instrumento, mas também as riquezas profundas que existem na
verdadeira natureza da forma de arte. O teatro com sua extraordinária
perceptibilidade, sempre me pareceu um lugar de provocação. É capaz de desafiar
o próprio teatro e o público, violando estereótipos convencionais de visão,
sentimento e julgamento. Esta transgressão provoca a surpresa que arranca a
máscara, capacitando-nos a nos entregar, indefesos, a algo que é impossível de
ser definido, mas que contém Eros e Caritas (amor e doação).
♦ Quando confrontamos a Reforma do Teatro, de Stanislavski, a
Dullin e de Meyerhold a Artaud, verificamos que não partimos da estaca zero, e
que nos movimentamos numa atmosfera especial e definida. Se nossa pesquisa
revela e confirma o lampejo da intuição de outros, curvamo-nos com humildade.
Na abertura do livro “Em busca de um teatro pobre”, Eugenio
Barba, seguidor de Grotowski que tem grande influência no teatro contemporâneo
brasileiro, diz:
“Pode o teatro
existir sem platéia? Pelo menos um espectador é necessário para que se faça uma
representação. Assim, ficamos com o ator e o espectador. Podemos então definir
o teatro como” “o que ocorre entre o espectador e o ator”. Todas as outras
coisas são suplementares – talvez necessárias, mas ainda assim suplementares.
Não foi por mera coincidência que nosso teatro laboratório se desenvolveu a partir
de um teatro rico em recursos – dos quais as artes plásticas, a iluminação e a
música eram constantemente usadas – para o teatro ascético no qual os atores e
os espectadores são tudo o que existe. Todos os outros elementos visuais são
construídos através do corpo do ator, e os efeitos musicais e acústicos através
de sua voz. Isso não significa que não empreguemos a literatura, mas sim que
não a consideramos a parte criativa do teatro, mesmo que os grandes trabalhos
literários possam sem nenhuma dúvida, ter um efeito estimulante na sua gênese.
Já que o nosso teatro consiste somente de atores e espectadores, fazemos
exigências especiais a ambas as partes. Embora não possamos educar os
espectadores – pelo menos, não sistematicamente – podemos educar o ator.
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