A arte de resolver conflitos
O trem
atravessava sacolejando os subúrbios de Tóquio numa modorrenta tarde de
primavera.
Um dos
vagões estava quase vazio: apenas algumas mulheres e idosos e um jovem lutador
de Aikidô.
O jovem
olhava, distraído, pela janela, a monotonia das casas sempre iguais e dos
arbustos cobertos de poeira.
Chegando
a uma estação as portas se abriram e, de repente, a quietude foi rompida por um
homem que entrou cambaleando, gritando com violência palavras sem nexo.
Era um
homem forte, com roupas de operário. Estava bêbado e imundo.
Aos
berros, empurrou uma mulher que carregava um bebê ao colo e ela caiu sobre uma
poltrona vazia. Felizmente nada aconteceu ao bebê.
O
operário furioso agarrou a haste de metal no meio do vagão e tentou arrancá-la.
Dava para ver que uma das suas mãos estava ferida e sangrava.
O trem
seguiu em frente, com os passageiros paralisados de medo e o jovem se levantou.
O
lutador estava em excelente forma física. Treinava oito horas todos os dias, há
quase três anos.
Gostava
de lutar e se considerava bom de briga. O problema é que suas habilidades
marciais nunca haviam sido testadas em um combate de verdade. Os alunos são
proibidos de lutar, pois sabem que Aikidô “é a arte da reconciliação.
Aquele
cuja mente deseja brigar perdeu o elo com o universo.
Por isso
o jovem sempre evitava envolver-se em brigas, mas no fundo do coração, porém,
desejava uma oportunidade legítima em que pudesse salvar os inocentes,
destruindo os culpados.
Chegou o
dia! Pensou consigo mesmo. Há pessoas correndo perigo e se eu não fizer alguma
coisa é bem possível que elas acabem se ferindo.
O jovem
se levantou e o bêbado percebeu a chance de canalizar sua ira.
Ah!
Rugiu ele. Um valentão! Você está precisando de uma lição de boas maneiras!
O jovem
lançou-lhe um olhar de desprezo.
Pretendia
acabar com a sua raça, mas precisava esperar que ele o agredisse primeiro, por
isso o provocou de forma insolente.
Agora
chega! Gritou o bêbado. Você vai levar uma lição. E se preparou para atacar.
Mas,
antes que ele pudesse se mexer, alguém deu um grito: Hei!
O jovem
e o bêbado olharam para um velhinho japonês que estava sentado em um dos
bancos.
Aquele
minúsculo senhor vestia um quimono impecável e devia ter mais de setenta anos…
Não deu
a menor atenção ao jovem, mas sorriu com alegria para o operário, como se
tivesse um importante segredo para lhe contar.
Venha
aqui disse o velhinho, num tom coloquial e amistoso. Venha conversar comigo
insistiu, chamando-o com um aceno de mão.
O
homenzarrão obedeceu, mas perguntou com aspereza: por que diabos vou conversar
com você?
O
velhinho continuou sorrindo. O que você andou bebendo? Perguntou, com olhar
interessado.
Saquê
rosnou de volta o operário e não é da sua conta!
Com
muita ternura, o velhinho começou a falar da sua vida, do afeto que sentia pela
esposa, das noites que sentavam num velho banco de madeira, no jardim, um ao
lado do outro.
Ficamos
olhando o pôr-do-sol e vendo como vai indo o nosso caquizeiro, comentou o velho
mestre.
Pouco a
pouco o operário foi relaxando e disse: é, é bom. Eu também gosto de caqui…
São
deliciosos concordou o velho, sorrindo. E tenho certeza de que você também tem
uma ótima esposa.
Não,
falou o operário. Minha esposa morreu.
Suavemente,
acompanhando o balanço do trem, aquele homenzarrão começou a chorar.
Eu não
tenho esposa, não tenho casa, não tenho emprego. Eu só tenho vergonha de mim
mesmo.
Lágrimas
escorriam pelo seu rosto. E o jovem estava lá, com toda sua inocência juvenil,
com toda a sua vontade de tornar o mundo melhor para se viver, sentindo-se, de
repente, o pior dos homens.
O trem
chegou à estação e o jovem desceu. Voltou-se para dar uma última olhada. O
operário escarrapachara-se no banco e deitara a cabeça no colo do velhinho, que
afagava com ternura seus cabelos emaranhados e sebosos.
Enquanto
o trem se afastava, o jovem ficou meditando… O que pretendia resolver pela
força foi alcançado com algumas palavras meigas. E aprendeu, através de uma
lição viva, a arte de resolver conflitos.
Autor
desconhecido
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