COMO ESCREVER UMA
PEÇA DE TEATRO - II
escrita por Rubem Queiroz Cobra
(Site original: www.cobra.pages.nom.br)
Redação: papel e espaço. Pode ser criado um parágrafo
específico para as rubricas, com margem maior à esquerda, ou margens maiores
dos dois lados, o que facilitará o destaque das indicações em relação às falas.
A folha de papel “ofício grande” é o mais prático para a
redação do Roteiro. O texto no papel tamanho carta fica mais elegante, mas fica
mal distribuído porque a folha é de tamanho reduzido. O espaço em branco extra
neste caso serve para o diretor, os atores, e a equipe de produção fazerem
anotações, correções e sugestões para melhorar o trabalho nos seus setores.
Como dito acima, o tipo mais comumente usado em roteiros é o Courier n° 12. As
peças, quando impressas em livros, têm formato mais econômico geralmente
trazendo para uma linha só o que na pauta de trabalho está em linhas separadas.
As palavras e frases precisam ser impressas com clareza e,
principalmente no Teatro Pedagógico, escritas com toda correção ortográfica e
gramatical. É preferível a ordem direta, evitando-se o quanto possível os tempos
compostos dos verbos. Porém, a linguagem usada deve ser aquela a que a média
dos espectadores esteja habituada a usar no seu dia a dia, e os sentimentos
mostrados pelos personagens devem ser expressos do modo como as pessoas em
geral costumam expressá-los.
Se o texto é em versos, estes devem ser absolutamente
simples. Através do apelo do seu ritmo podem oferecer ao dramaturgo
oportunidades para efeitos emocionais que a prosa não lhe permitiria, mas devem
ser escritos tanto quanto possível de modo a que possam ser falados com inteira
naturalidade pelos atores, em lugar de declamados. Para isso, não deveriam
incorporar palavras, ainda que bonitas, que não sejam usadas na conversação
diária da média dos freqüentadores de teatro, e as palavras colocadas somente
em sua ordem natural, e sem nenhuma inversão supérflua em benefício do ritmo.
Quando a fala de um personagem tem uma ou um conjunto de
palavras a serem pronunciadas com ênfase, usa-se o itálico para assinalar essa
ênfase. Exemplo:
ANINHA
Mas não adiantou muito. Meus problemas são de fato problemas!
Será inevitável ter que escrever várias versões da peça, a
qual poderá sempre ser modificada para melhor, à medida que, no decorrer da
leitura de mesa ou nos ensaios, sugestões dos atores e da equipe técnica possam
ser incorporadas ao roteiro. A abundância de espaço entre as linhas é um modo
de facilitar anotar as alterações até a versão final. Porém, mesmo depois das
primeiras apresentações o dramaturgo poderá ver-se na obrigação de fazer
correções ou desejar aperfeiçoar algum ponto.
Tempo e Custos. Dois controles sobre a extensão e
complexidade da peça são o Tempo e os Custos. No Grande Teatro o limite de
tempo e os orçamentos são bastante elásticos. No caso do Teatro Pedagógico,
porém, o Educador no papel de dramaturgo precisa reduzir suas exigências a fim
de economizar. Precisa estar atento a este aspecto ao escrever seu roteiro.
*
Como iniciar o drama? É uma boa idéia iniciar a partir de um
detalhe dinâmico da história, deixando para o espectador imaginar o que possa
ter ocorrido antes a partir dos diálogos iniciais que ele ouve. Não há ação
dramática sem conflito. O tema de todo drama é, como visto (Noções de Teoria do
Teatro), um confronto de vontades humanas. O objeto da peça não é tanto expor
personagens mas também contrastá-las. Pessoas de variadas opiniões e propensões
opostas chegam ao corpo a corpo em uma luta que vitalmente importa para elas, e
a tensão da luta será aumentada se a diferença entre as personagens é marcante.
Se a cena inicial é uma discussão entre um fiscal e um comerciante devedor dos
impostos, logo os espectadores tiram várias conclusões sobre a situação dos
dois protagonistas.
Concepção dos personagens. O personagem (ou "a
personagem", quando for oportuno o emprego do feminino: o Aurélio dá como
corretas as duas versões) será como um amigo ou um inimigo para o dramaturgo, e
ele escreverá a seu respeito com conhecimento de causa, como se falasse de
alguém que conhecesse intimamente. Embora na peça ele explore apenas alguma
faceta em particular do caráter dessa figura imaginária, ele a concebe como um
tipo completo, e sabe como ele se comportaria em cada situação da história a
ser contada. Por exemplo: uma mulher devotada à religião e à sua igreja, que
coisas ela aprova e quais outras reprova no comportamento das demais pessoas?
Um indivíduo avarento, como age com os amigos e com que se preocupa em cada
diferente situação do convívio social? Como reconhecer um escroque antes mesmo
dele abrir a boca? Tudo isto requer muita observação relativa a como as pessoas
revelam sua personalidade e o lado fraco ou forte de seu caráter. Com essa
experiência de observação será fácil para o autor da peça construir seus
personagens e montar em torno deles uma história de conflitos, concorrência,
competição desonesta ou cooperação fraterna, e por aí desenvolver um drama que
poderá ser ao mesmo tempo interessante e educativo.
Tudo no personagem precisa ser congruente, para que ao final
algo surpreenda o espectador. Suas roupas, onde mora, suas preferências, seus
recursos financeiros, sua facilidade ou dificuldade em fazer amigos, suas
preocupações morais, se lê ou não livros e jornais, que diversões prefere ou se
pratica ou não esporte, tudo isto deve concorrer em um personagem autêntico,
sem contradições. Muito já se escreveu sobre pobres se tornarem ricos, e ricos
ficarem pobres, e também sobre increus convertidos, ou almas boas que se deixam
levar ao crime, mas a novidade em cada história será a tragédia envolvida nessa
transformação, que leva alguém a um gesto que antes não se poderia esperar
dele.
Personagens que têm uma motivação forte e cujas ações se
dirigem sempre com objetividade no sentido do que buscam, sem medir os riscos,
sempre são os personagens mais interessantes, mas esse empenho forte se torna,
muitas vezes, seu lado fraco e vulnerável. Justamente uma ação que vai contra a
inteireza de um tipo pode se transformar em um ponto alto na história, como
seria o caso de um sovina que, depois de receber uma lição da vida, se comove
com a situação de alguém e lhe dá um presente de valor. É quando o personagem
quebra sua inteireza, antes bastante enfatizada, que surge um grande momento na
peça.
O dramaturgo precisa, no entanto, resumir ao mínimo as
características de seus personagens, porque será sempre mais difícil encontrar
aquele ator que assuma a personalidade ideal por ele criada, e possa bem
representá-la, e ainda preencher sua descrição de um tipo físico quanto à
altura, peso, cor da pele, que seja corcunda ou coxo, tenha cabelo crespo ou
liso, etc. Por isto, quanto ao físico, deve indicar somente características
indispensáveis para compor um tipo, sem exigir muito nesse aspecto. A equipe
técnica poderá completar a caracterização com os recursos disponíveis, seguindo
a orientação do Diretor de Cena. Ela poderá inclusive preparar o mesmo ator para
representar mais de um papel, se a caracterização for simples e a troca de
vestimentas e demais caracterizações puderem ser feitas sem demasiado esforço e
em tempo muito curto.
Ao escrever a peça, o dramaturgo deve dar a cada personagem
um quinhão significativo de atuação, porém na proporção da importância do seu
papel, e fazer com que cada um deles tenha algo por que lutar, algo que precisa
alcançar. Deve pensar no entrelaçamento de todos os interesses entre si, e nos
conflitos resultantes, e as conseqüências para os que vencerem e os que
fracassarem.
*
Inspiração. A peça tem sua idéia central, relativa a um tema;
seu título e todas as cenas devem guardar uma relação clara e objetiva com essa
idéia. O interesse intelectual não é suficiente para fazer uma peça boa de se
ver. O público quer passar por emoções de simpatia e também de auto-estima
(opinar sobre o que assiste). A platéia procura, imóvel e estática, entender a
mensagem de uma peça sofisticada, e ao final da representação está cansada,
enquanto que, se ela desperta emoções, será, no mínimo, uma peça interessante.
Há um número limitado, apesar de impreciso, de temas
possíveis para o drama. Na opinião de vários críticos, esse número seria pouco
mais, ou pouco menos, de vinte. Como todos eles já foram inúmeras vezes
explorados pelo Teatro no decorrer dos séculos, fica impossível uma novidade na
dramaturgia, exceto quanto ao modo de apresentar o tema. Assim, apesar de
trabalhar com o velho, o dramaturgo precisa encontrar uma nova história, um
novo estilo, fixar uma época (teatro histórico), a fim de emprestar
originalidade à sua abordagem. Mas, se isto é o que acontece com o grande
Teatro, no caso do Teatro Pedagógico é um pouco diferente: o tema é de natureza
jornalística, ou seja, trata-se de uma mensagem a ser passada sobre um tema
educativo momentâneo, de interesse atual. Porém, mesmo neste caso, a trama
haverá de cair entre aqueles enredos possíveis na dramaturgia.
Escolhido o tema a ser explorado e criada a história a ser
levada ao palco, o dramaturgo faz o Plano para escrever o seu roteiro. O Plano
compreende o desenvolvimento de uma sucessão de cenas, escritas uma a uma até a conclusão do drama.
Embora existam diversas variáveis, a Estrutura clássica de fragmentação de um
roteiro é conhecida como Ternário: As primeiras cenas – Primeiro Ato – fazem a
Preparação (Protasis); nas seguintes – Segundo Ato – desenvolve-se o conflito
inerente ao drama e o desenvolvimento da crise até o seu clímax (Epitasis);
finalmente o desenlace – Terceiro Ato – com a solução do conflito
(Catastrophe).
*
Realismo. O estilo realista no teatro é o que
procura guardar fidelidade ao natural, correspondência estreita entre a cena
vivida no palco e a vida real quanto aos costumes e situações da vida comum.
Porém, se o dramaturgo escreve sua peça com muita exatidão, o espectador não
terá nenhuma vantagem em assisti-la mais que observar a própria vida nela
refletida. Se a peça mostra somente o que vemos na vida mesma, não fará sentido
alguém ir ao teatro. A questão importante não é o quanto ela reflete exatamente
da aparência da vida, mas o quanto ajuda a audiência a entender o sentido da
vida. O drama tornará a vida mais compreensível se o autor descartar o
irrelevante e atrair a atenção para o essencial.
Ênfase. No drama, é necessário aplicar o
princípio positivo da ênfase de modo a forçar a platéia a focar sua atenção
naquele certo detalhe mais importante do enredo. Um dos meios mais fáceis de
ênfase é o uso da repetição. Ao escrever sua adaptação da obra literária à
dramaturgia, o dramaturgo tem presente uma importante diferença entre o romance
e a peça de teatro: esta última, sendo falada, não dá chance ao espectador de
voltar páginas para compreender algo que lhe tenha escapado no início. Por esse
motivo, os dramaturgos de um modo geral encontram meios de dar ênfase repetindo
uma ou duas vezes, ao longo da peça, o que houver de importante no diálogo. A
ênfase por repetição pertence ao diálogo e pode ser habilmente introduzida no
script.
Em geral, pode ser dito que qualquer pausa na ação enfatiza
"por posição" o discurso ou assunto que imediatamente o precedeu. O
emprego de uma pausa como uma ajuda para a ênfase é de especial importância na
leitura das falas, como um recurso a mais para o dramaturgo.
Porém, há também momentos que emprestam ênfase natural à
representação, como os últimos momentos em qualquer ato e, do mesmo modo, os
primeiros momentos em um ato. Apenas os primeiros momentos do primeiro ato
perdem esse poder, devido à falta de concentração dos espectadores que acabam
de tomar seus lugares, ou são perturbados por retardatários que passam pela
frente das pessoas já sentadas. Mas as ênfases nunca são colocadas na abertura
de uma cena.
Para enfatizar o caráter de um personagem, colocam-se no
texto repetidas referências à sua pessoa, de modo que na sua primeira aparição,
o espectador já o conhece melhor que a qualquer dos outros personagens. É
claro, existem muitos meios menores de ênfase no teatro, mas a maior parte
destes são artificiais e mecânicos. A luz da ribalta é uma das mais efetivas. A
intensidade de uma cena também pode ser criada, por exemplo, se a figura de um
único personagem é projetada em silhueta por um raio de luz contra um fundo mal
definido. Mais tempo é dado para cenas
significativas que para diálogos de interesse subsidiário.
Antítese. Uma cena de leve humor vir após uma
cena em que se discute um assunto sério; ou uma agitação no bar ser seguida de
uma cena tranqüila em um parque equilibram a encenação. A Antítese pode ocorrer
em uma cena, mas é mais comum que seja empregada no equilíbrio de cena contra
cena.
Clímax.
O clímax existe quanto a ação vai em crescente complicação, a cada ato,
convergindo para um impasse cuja solução não é conhecida dos personagens e nem
a platéia pode prever qual será. O clímax depende de certa corrida dos
personagens para seus objetivos. Será difícil entender como clímax uma
convergência muito lenta de acontecimentos. Os personagens precisam estar
ansiosos por alcançar seus propósitos e agirem rápido nesse sentido, para que
surja um verdadeiro impasse pressionando por uma solução urgente. Os
dramaturgos normalmente colocam o clímax no segundo ato ato, conforme o
Ternário acima referido (Protasis, Epitasis e Castrophe). Porém, se houver
quatro, começam a exploração do tema
suavemente, no primeiro ato, fazem crescer a trama no segundo, e o enredo
torna-se progressivamente mais complexo e insolúvel até a solução vislumbrada
ao cair do pano do terceiro ato. As explicações acontecem no quarto ato, no
qual é mostrado o destino de cada personagem,
vitoriosos ou derrotados, e paira no ar uma conclusão de natureza moral
da qual os espectadores guardarão memória.
Suspense. O suspense, como o clímax, existe quanto a ação vai, a cada ato,
convergindo mais e mais para um final. No suspense, o espectador pode suspeitar
o que está prestes a acontecer, mas os personagens envolvidos não percebem o
que lhes está reservado. O caráter de cada personagem precisa ser logo
conhecido pela platéia, assim como suas intenções; um reconhecido ser um
velhaco na sua primeira entrada. Os outros personagens estão no papel de
inocentes, descuidados, ingênuos, que desconhecem o que o velhaco lhes prepara,
mas a platéia já sabe o que ele é e o que ele pretende, e pode suspeitar qual
será o desfecho. O fato de a platéia ter esse conhecimento tem um efeito
paradoxal, que é tornar mais interessante o suspense.
Incorre em erro – que com certeza comprometerá o sucesso de
sua peça –, o dramaturgo que cria em sua assistência a expectativa de uma cena
extraordinária, exigida pela sua condução prévia da trama, e essa cena não se
realiza como esperado, frustrando assim o suspense criado no espectador.
Recursos a evitar. Fazer um número grande de cenas curtas,
fazer a história saltar vários anos para frente, ou fazer uso do recurso de
flash back, isto cria confusão e irritação nos espectadores. Outros recursos
que se deve evitar são: criar personagens invisíveis, que são descritos em
minúcias mas que nunca aparecem no palco. Também prejudica o interesse da
Platéia aquelas cenas em que um personagem deixa o palco e volta trazendo algum
recado ou conta uma novidade. Outros ainda são os apartes e os solilóquios.
O aparte consiste em o ator falar uma frase audível para a
assistência mas que se supõe não seria ouvida por um outro personagem no palco,
ou por todos os demais. O ator dá um passo fora da moldura do palco para falar
confidencialmente com a platéia. O aparte contraria a regra de que o ator deve
manter-se aparentemente alheio à sua audiência.
O solilóquio é chamado construtivo quando serve para explicar
o progresso de uma trama de modo a deixar a história mais clara para o
espectador, ou para encurtar o drama. É chamado reflexivo quando é empregado
apenas para revelar à platéia certa seqüência de pensamentos de um personagem,
sem que por meio dele o dramaturgo faça qualquer referência utilitária à
estrutura da trama. Um bom ator pode fazer um solilóquio reflexivo sem perder a
naturalidade. Embora o solilóquio reflexivo possa ser útil e mesmo belo, o
solilóquio construtivo é tão indesejável como o aparte, porque força o ator
para fora do contexto do mesmo modo.
Final Feliz. Conceber um final para uma história
pode ser a parte mais difícil do trabalho criativo. Um final precisa
corresponder ao fechamento lógico do drama desenvolvido nas cenas antecedentes.
Não pode ser a solução de conflitos colocados apenas nas últimas cenas, nem a
solução para os conflitos colocados no início, deixando-se de lado as
complicações que se seguiram. O final feliz precisa ser crível, aceitável para
os espectadores como a melhor opção, ou como desfecho claro e compreensível que
satisfaz de modo inteligente ao suspense, traz o alívio que dissipa as tensões
do clímax, e espalha um sentimento de compensação plena na platéia
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