terça-feira, 23 de agosto de 2016

Corpo e movimento

Corpo e Movimento

Derek Browskill


"O QUE FAÇO COM AS MÃOS?"
"ONDE PONHO OS PÉS?"

Estas duas perguntas preocupam muitos atores, experientes ou não. A ansiedade causada por estes detalhes podem chegar a um tal ponto que faz com que pensamentos e perguntas sejam verbalizados. Para o diretor, as respostas não são tão simples. É fácil assumir uma postura cinicamente crítica para com os atores cuja imaginação leva às perguntas. Mais difícil é ajudá-los. Aparentemente simples, estas perguntas muitas vezes escondem verdadeiros pedidos de socorro. Este capítulo não vai mostrar o que fazer com as mãos, ou onde pôr os pés. No entanto, vai oferecer sugestões, que provavelmente eliminarão a necessidade das perguntas.

A movimentação corporal é a base de tudo o que aconteceu antes - respiração, fala, imaginação, concentração. Sem os movimentos suficientes e necessários, que por um lado mantêm a vida, e por outro geram as próprias atividades, nada disso pode ocorrer. O movimento pode ser quase imperceptível a olho nu, mas enquanto houver vida, haverá movimento mantendo-a.


RITMO

O ritmo pode ser descrito como "o fluxo e o movimento, ou a aparência de fluxo e movimento, suficientes e necessários para dar uma impressão natural de vida e energia". Parado ou em movimento, o corpo deve possuir um ritmo peculiar e essencial. Ao movimentar-se sem ritmo, o corpo dará a impressão de ser formado por partes que não combinam entre si. Faltará unidade por trás da diversidade de ação, e os movimentos atrairão a atenção por si próprios.

Quando parado sem ritmo, o corpo dará a impressão de ser completamente desprovido de potencial. Não dará nenhuma indicação de energia latente ou de dinâmica em repouso - parecerá vazio ou morto. Em ambos os casos, a falta de ritmo chamará a atenção e indicará algum tipo de debilidade.

Esta falta de ritmo é a grande característica de um animal agonizante ou um cadáver humano. No primeiro, os movimentos podem conter uma nota de pânico ou de nervosismo histérico, e no segundo, o que poderia ser um corpo vivo em repouso é percebido com simplesmente parado.


EQUILÍBRIO

Parado ou em movimento, para ter ritmo o corpo deve também ter equilíbrio. Se observarmos um amigo tentando equilibrar-se em uma perna só, de olhos fechados e com um livro na cabeça, logo notaremos os movimentos hesitantes que caracterizam a falta de equilíbrio. Andar de trem, ou caminhar dentro de um ônibus em movimento faz com que o corpo reaja naturalmente à sensação de desequilíbrio.

O ato rotineiro de caminhar demonstra claramente de que modo o corpo organiza as suas partes para garantir o equilíbrio, criando assim o ritmo adequado. Quando caminhamos de modo natural, neutralizamos o desequilíbrio, movimentando automaticamente o braço direito para a frente ao darmos um passo com a perna esquerda. Essa oposição natural funciona como os pratos de uma balança.

Para manter o equilíbrio, qualquer movimento precisa ser contrabalançado por outro igual e oposto. Tente caminhar movendo a perna e o braço direitos para a a frente ao mesmo tempo. Verá como o corpo tende a resistir. Para compensar a falta de equilíbrio, ele se mexe, se inclina e balança.

Uma combinação correta de ritmo e equilíbrio mostra que o corpo tem a capacidade de manter esta condição - parado ou em movimento - e demonstra também a capacidade de mudança e rapidez de reação. Numa boa movimentação corporal, existe uma constante declaração de energia e uma garantia de continuidade, com qualidades essencialmente plásticas e móveis. Nada há que ser rígido, espasmódico ou mecânico. Tais qualidades combinam-se no ideal continuamente buscado por um bom ator - economia de ação e elegância de execução.


CONSCIÊNCIA PERCEPTIVA:
ECONOMIA E ELEGÂNCIA

Pouquísimas pessoas organizam seu ritmo de movimento ou de fala conscientemente. Elas confiam em seus padrões naturais, usando-os inconscientemente. Mas no organizado microcosmo do palco, um ator precisa estar profundamente consciente do ritmo que utiliza e de seu efeito no público. Entretanto, não é necessário um estudo detalhado de cada movimento feito em cena. Uma análise cuidadosa dos momentos principais possibilitará a criação de um ritmo geral de trabalho. (Isto é especialmente importante no estudo do texto). Assim, pode-se chegar mais rapidamente à economia de ação e à elegância de execução, qualidades que são a marca de um bom ator.

Boa postura, respiração correta e bons exercícios de tensão e relaxamento muscular são elementos essenciais para um ator que objetive economia de ação. Para a elegância, é fundamental um corpo que represente com flexibilidade, confiança e sem esforço aparente. Sem controle e sem flexibilidade, jamais se chegará à economia e à elegância. Estes elementos são importantes na vida diária - e para um ator são vitais.


A IMPORTÂNCIA DO OLHAR

Evidentemente, escutar bem e ouvir com sensibilidade são os melhores instrumentos para uma boa fala. De modo semelhante, os olhos de um ator auxiliam-no na profunda compreensão do papel do corpo na expressão e na comunicação. É altamente proveitoso observar o modo como as pessoas utilizam seus corpos - mãos, pés, costas, ombros; sentadas, em pé, deitadas, caminhando ou correndo. Olhar conscientemenmte, tocar e ser tocado são elementos tão essenciais para o treinamento de uma boa movimentação, quanto escutar e ouvir para a fala.

Olhe à sua volta em lojas e restaurantes e observe como as pessoas usam o corpo para se comunicar. Umas possuem ampla gama de movimentos, gestos e expressões faciais, enquanto outras, não. Algumas usam muitos movimentos, e outras, praticamente nenhum. Enquanto estiver reparando como as pessoas usam as mãos e o rosto para se relacionar lembre-se que o verdadeiro teste para qualquer movimento ou gesto é o seu resultado.

Observe especialmente as reações dos outros à pessoa que se movimenta ou gesticula. Repare na utilidade e adequação (ou não) de seus movimentos; as oportunidades ganhas e as oportunidades perdidas. Observe em especial os movimentos usados em horas de tensão ou de leve desconforto emocional - mexer num cigarro, numa xícara, nas roupas ou no cabelo. Repare a freqüência com que as mãos são usadas para aumentar a auto-confiança e criar uma atmosfera segura, e não para ajudar o falante a defender seu ponto de vista.


IMAGEM CORPORAL

O corpo tem uma linguagem própria, que se manifesta muito antes de nos aproximarmos o suficiente de alguém para que os detalhes mencionados no parágrafo anterior possam ser percebidos. Pense na primeira impressão que lhe dá um homem andando de bicicleta, uma mulher num ônibus que passa ou o motorista do carro à sua frente. Muitas relações se formam, e algumas vezes perduram, como resultado desta primeira impressão corporal: a impressão geral dada pelo modo como uma pessoa anda, senta ou fica em pé. O modo como ele inclina a cabeça, o ângulo dos ombros, a posição dos cotovelos, a linha dos joelhos ao caminhar - tudo isso faz declarações poderosas.

Declarações que fornecem informações com um impacto muuito maior do que a soma de suas partes. No ritmo, parece haver algo de indefinível desafiando uma última análise; o mesmo também acontece com a imagem corporal. A impressão total transcende uma simples soma de componentes.


SENSAÇÃO CORPORAL

A imagem corporal não afeta só os observadores: afeta a própria pessoa. Pode-se definir isso como "sensação corporal". Em qualquer atividade, as pessoas assumem posições físicas nas quais se sentem bem. Sendo uma medida de apoio e dando a sensação de satisfação, essas posições auxiliam a pessoa no papel que está sendo representado ou na atividade executada.

Alguns indivíduos assumem uma atitude tão inflexível em relação à sua imagem corporal, que só conseguem ler, concentrar-se, prestar atenção ou costurar quando colocam seus corpos em determinadas posições. É lógico que a posição escolhida estará intimamente relacionada com o conforto físico na tarefa executada - mas o que influencia esta posição é a implicação de conforto emocional que esta sensação trará.

Em algumas pessoas, isso não é muito acentuado, enquanto para outras é mais importante do que as roupas que vestem. Se estiverem numa posição errada - que pode advir da diferença de um centímetro na altura de uma cadeira - essas pessoas terão a mesma sensação de desconforto que teriam se estivessem nuas, ou vestidas de modo ridículo.

A imagem e a sensação corporais são importantes em todas as áreas da expressão e da comunicação de experiências pessoais. São mais importantes do que pareceria possível, numa sociedade que pouco nos educa nesse sentido. Para perceber seu alcance e impacto, pense apenas em como, ao rever um velho amigo, você é invadido por lembranças, estimuladas às vezes por pequenos gestos, como o jeito que ele tem de estender a mão - ou, de longe, seu gesto característico de balançar um braço mais do que o outro.

Considere as diferenças no relacionamento de duas pessoas, das quais uma está sentada e a outra, em pé; ou a primeira assume uma postura ereta e a outra, encurvada, ou então uma pessoa que gesticula ativamente, enquanto o interlocutor permanece passivo. Sem que uma só palavra seja dita, pode-se observar os efeitos causados na base dos relacionamentos e das comunicações. Quando mudam as posições, mudam também a imagem e a sensação corporais, e mudará também a base do relacionamento e da comunicação.

É característico, nos britânicos, a ausência de percepção da imagem e sensação corporais, apesar de sua importância nos relacionamentos pessoais e na comunicação interpessoal. O ato de tocar as pessoas ainda é visto com desconfiança na Grã-Bretanha, mesmo numa hora em que as convenções sociais estão um pouco mais relaxadas. "Não tocar" vai além do aviso colocado perto de máquinas perigosas - é também um modo de vida. Para animais humanos que passaram os primeiros nove meses de vida em contato íntimo com outro ser humano, este é um verdadeiro desafio.


AUTO-PERCEPÇÃO ou AUTO-CONSCIÊNCIA?

Algumas pessoas normalmente acham que a percepção da imagem e da sensação corporais leva automaticamente a uma auto-consciência desinibida. Não é um risco muito grave. É um risco que devemos correr, a não ser que prefiramos correr o risco maior de não conseguirmos comunicar nossos verdadieros pensamentos, intenções e sentimentos.

Considere o exemplo de entrar em algum lugar. Há vários modos de fazê-lo, e, uma vez lá dentro, várias posições de chegada. Nesse lugar podem estar muitos amigos, um amigo em especial, um grupo de entrevistadores, o seu superior no trabalho num estado de espírito crítico, uma criança agitada. Seja qual for a situação, a imagem corporal que apresentarmos e a sensação corporal que tivermos afetarão diretamente os relacionamentos, durante pelo menos alguns minutos - talvez até por mais tempo.

A imagem corporal pode ter sido aparente no máximo por alguns segundos, às vezes por menos de um segundo. Já que a imagem e a sensação corporais podem causar um impacto tão grande e tão importante, parece-nos lógico melhorar a percepção que temos disto. Para um ator em treinamento, é um argumento atraente e indiscutível.
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Artigo extraído - e aqui reduzido - de "Acting and Stagecraft Made Simple", W. H. Allen 1979. Tradução de Livia Mazzocato (Colaboração do Curso de Tradução do Departamento de Letras da PUC-Rio). Este artigo consta da edição nº 133 da revista Cadernos de Teatro/1993.


Postado por Lionel Fischer  

Conversa sobre teatro - Frederico Garcia Lorca


Conversa sobre teatro

Federico Garcia Lorca


(Em 31 de janeiro de 1935, os atores dos vários teatros de Madrid solicitaram a Margarita Xirgu, a genial criadora de "Yerma", que fizesse para eles um espetáculo extra, ao qual estaria presente o autor, o poeta e dramaturgo andaluz Federico Garcia Lorca. Após este espetáculo, Lorca proferiu as palavras que se seguem).


Queridos amigos: fiz, há tempos, a promessa firme de recusar toda a espécie de homenagens, festas ou banquetes que se fizessem à minha modesta pessoa. Em primeiro lugar, por entender que cada uma dessas cerimônias equivale à colocação de uma pedra sobre o nosso túmulo literário. E, em segundo lugar, porque notei que não há coisa mais desoladora que o discurso frio pronunciado em nossa honra, nem momento mais triste que o do aplauso organizado, ainda que inteiramente de boa fé.

Além disso - e isto é segredo - creio que banquetes e pergaminhos trazem maus agouros para o homem que os recebe; mau agouro proveniente da atitude descansada dos amigos que, ao homenageá-lo, pensam: "Com este já estamos quites". E mais: um banquete é uma reunião de profissionais que comem junto de nós e onde se encontram, normalmente, as pessoas que na vida menos gostam de nós. Para os poetas e dramaturgos, eu organizaria, em vez de homenagens, torneios e desafios nos quais fôssemos galharda e injuntivamente emprazados: "Aposto que não é capaz de fazer isto!", "Aposto que não é capaz de exprimir numa personagem a angústia do mar!" etc.

Os teatros estão cheios de enganadoras sereias coroadas de rosas de estufa, e o público sente-se satisfeito e aplaude quando vê corações de serradura e escuta diálogos à flor dos dentes. Mas o poeta dramático não deve esquecer, se quiser salvar-se do esquecimento, os campos de rosas molhadas pelo amanhecer, em que os lavradores sofrem, e essa pomba ferida por um misterioso caçador, que agoniza entre os juncos sem que ninguém ouça seus gemidos.

Fugindo das sereias, das solicitações e das vozes falsas, não aceitei qualquer homenagem por ocasião da estréia de Yerma; mas experimentei a maior alegria da minha breve vida de autor quando soube que a família teatral madrillena pediu à grande Margarita Xirgu, atriz de imaculada história artística, luzeiro do teatro espanhol e criadora admirável do papel, juntamente com a companhia que tão brilhantemente a secunda, uma representação especial para vê-la.

Pelo que isto significa de curiosidade e atenção para com um esforço notável de teatro, quero apresentar, agora que estamos reunidos, os melhores e mais sinceros agradecimentos a todos. Esta noite não falo como autor nem como poeta, nem sequer como simples estudante do panorama riquíssimo da vida do homem: falo como ardente apaixonado de um teatro de ação social.

O teatro é um dos instrumentos mais expressivos e úteis para a edificação de um país; é o barômetro que marca a sua grandeza ou a sua decadência. Um teatro sensível e bem orientado em todos os seus setores, da tragédia au vaudeville, pode em poucos anos modificar a sensibilidade do povo; e um teatro desordenado, em que as patas substituem as asas, pode abastardar e adormecer uma nação inteira. O teatro é uma escola de lágrimas e de riso, uma livre tribuna onde os homens podem pôr em evidência velhos ou equivocados princípios de moral e explicar, com exemplos vivos, normas eternas do coração e do sentimento do homem.

Um povo que não ajuda e não fomenta o seu teatro, se não morreu ainda, está moribundo; do mesmo modo que o teatro que não atende à pulsação social, à pulsação histórica, ao drama de seu povo e à genuína cor de sua paisagem e do seu espírito, através do riso ou das lágrimas, não tem o direito de se chamar teatro, mas antes sala de jogo ou lugar para fazer essa coisa medonha que se chama "matar o tempo". Não me refiro a ninguém em particular, nem quero ferir ninguém; não falo da realidade viva, mas o problema posto em tese.

Todos os dias ouço falar da crise do teatro, e penso sempre que o mal não está diante dos nossos olhos, mas sim no mais obscuro da sua essência; não é um mal de flor atual, mas de raiz profunda, ou seja, o mal não está nas obras mas sim na própria organização. Enquanto os atores e autores estiverem nas mãos de empresas absolutamente comerciais, entregues a sí próprias, e sem qualquer fiscalização literária ou estatal de nenhuma espécie, empresas carentes de todo o critério e sem garantia de nenhuma classe, os atores, os autores e todo o teatro cada dia mais se afundarão, sem salvação possível.

O delicioso teatro ligeiro de revista, o vaudeville e a comédia-bufa, gêneros de que sou afeiçoado espectador, poderiam defender-se e salvar-se ainda; mas o teatro em verso, o gênero histórico e a chamada zarzuela cada dia sofrerão mais reveses, porque são gêneros muito exigentes e que comportam autênticas inovações, e não há autoridade nem espírito de sacrifício para incorporá-las a um público que precisa ser dominado com elevação e em muitas ocasiões contraditado e atacado. É o teatro que deve impor-se ao público, e não o público ao teatro.

Para isto, autores e atores deverão revestir-se, mesmo à custa de sangue, de uma grande autoridade, porque o público de teatro é como as crianças nas escolas: adora o professor grave e austero que exige e faz justiça, e espeta agulhas cruéis nas cadeiras em que se sentam os professores tímidos e complacentes, que não ensinam nem deixam ensinar.

O público pode ser ensinado - repare-se que falo em público, não em povo -; pode ser ensinado, porque eu vi Debussy e Ravel serem vaiados há anos, e tempos depois assisti às clamorosas ovações que um público popular dirigia às obras que antes repudiara. Estes autores foram impostos por um alto critério de autoridade superior ao do público comum; o mesmo sucedeu a Wedekind na Alemanha e a Pirandello na Itália, e a tantos outros.

Há necessidade de assim proceder para o bem do teatro e para a glória e dignificação dos seus intérpretes. Há que manter atitudes dignas, com a certeza de que serão recompensadas com juros. O contrário é tremer de medo nos bastidores e matar a fantasia, a imaginação e a graça do teatro, que é sempre uma arte, e sempre há de ser uma arte excelsa, embora tenha havido uma época em que se chamava arte a tudo o que apenas servia para rebaixar a atmosfera e destruir a poesia.

Arte acima de tudo. Arte nobilíssima; e vós, queridos atores, artistas acima de tudo. Artistas dos pés á cabeça, pois que foi por amor e por vocação que haveis ascendido ao mundo fictício e doloroso das tábuas do palco. Artistas por ocupação e preocupação. No teatro mais modesto como no mais elevado deve sempre escrever-se a palavra "Arte" na sala e nos camarins, porque senão teremos que escrever a palavra "Comércio".

Não quero dar-vos uma lição, porque me encontro em condições de recebê-la. O entusiasmo e a certeza ditam as minhas palavras. Não sou um iludido. Pensei a fundo - e a frio - no que digo e, como andaluz, possuo o segredo da frieza, porque tenho sangue antigo. Sei que a verdade não a detém aquele que repete "hoje, hoje, hoje" enquanto come o seu pão junto à lareira, mas sim o que serenamente olha à distância as primeiras luzes da alvorada no campo.

Sei que não tem razão aquele que diz "Agora mesmo, agora, agora" com os olhos postos na garganta estreita da bilheteria, mas sim o que diz "Amanhã, amanhã, amanhã" e sente aproximar-se a vida nova que avança sobre o mundo.
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Extraído de Teatro Moderno, Luiz Francisco Rebello, 1964. Este artigo consta da revista Cadernos de Teatro nº 72/1977, edição já esgotada

Como escrever uma peça de teatro

COMO ESCREVER UMA PEÇA DE TEATRO


Escrever uma peça corresponde a escrever o Roteiro, ou Script, para a representação teatral de uma história. O Roteiro contém tudo que é dito pelos atores no palco, e as indicações para tudo que deve ser feito para que a representação seja realizada.  
Uma página sobre como escrever um Roteiro de Teatro não basta para passar toda a idéia do que é e do que requer essa tarefa.. É necessário que a pessoa tenha assistido a um espetáculo teatral  pelo menos uma vez, e que leia alguns roteiros, para que tenha a noção completa do que é escrever uma peça, e sobretudo para compreender as limitações a que o teatro está sujeito, se comparado a outros meios de produção artística como a literatura e o cinema, e também o potencial dessa forma rica de expressão artística..
A peça de Teatro divide-se em Atos e Cenas. Os Atos se constituem de uma série de cenas interligadas por uma subdivisão temática. As cenas se dividem conforme as alterações no número de personagens em ação: quando entra ou sai do palco um ator. O cerne ou medula de uma peça são os diálogos entre os personagens. Porém, o Roteiro contém mais que isto: através das Rubricas e das Indicações ele traz as determinações indispensáveis para a realização do drama e assim orienta os atores e a equipe técnica sobre cada cena da representação.
As Rubricas (também chamadas “Indicações de cena” e "indicações de regência") descrevem o que acontece em cena; dizem se a cena é interior ou exterior, se é dia ou noite, e o local em que transcorre. Interessam principalmente à equipe técnica. Apesar de consideradas como “para-texto” ou “texto secundário”, são de importância próxima à do próprio diálogo da peça, uma vez que este normalmente é insuficiente para indicar todas as ações e sentimentos a serem executados e expressos pelos atores. Sylviane Robardey-Eppstein, da Uppsala Universitet, no verbete Rubricas do Dictionnaire International des Termes Littéraires, faz uma classificação minuciosa das rubricas. Vamos aproveitar aqui apenas as seguintes categorias: Macro-rubrica e Micro-rubrica, esta última dividida em Rubrica Objetiva e Rubrica Subjetiva..
A Macro-rubrica é uma Rubrica geral que interessa à peça, ou ao Ato e às Cenas; é também chamada “Vista”, e é colocada no centro da página, no alto do texto de cada cena, e escrita em itálico ou em maiúsculas. As demais Rubricas estão inseridas no diálogo e afetam apenas a ação cênica
A Micro-rubrica Objetiva refere-se à movimentação dos atores: descreve os movimentos, gestos, posições, ou indicam o personagem que fala, o lugar, o momento, etc.
As Micro-rubricas Subjetivas interessam principalmente aos atores: descrevem os estados emocionais das personagens e o tom dos diálogos e falas.
Ao fazer as Indicações Cênicas ou Rubricas o dramaturgo (o Autor) interfere na arte de dirigir do Diretor de Cena e também enquadra a interpretação dos atores sem respeitar sua arte de interpretar. Por essa razão deve limitar-se a fazer as indicações mínimas requeridas para o rumo geral que deseja dar à representação, as quais, como autor da peça, lhe cabe determinar.
As falas são alinhadas na margem esquerda da folha, e cada fala é antecedida pelo nome do personagem que vai proferi-la. O nome do personagem é centralizado em letras maiúsculas (caixa alta).
As Rubricas e as Indicações ficam em linhas separadas e escritas em itálico, afastadas da margem esquerda uma meia dúzia de espaços (endentação). Mas podem também cair em meio à fala, e neste caso, além de escritas em itálico, também são colocadas entre parênteses. As palavras precisam ser impressas com nitidez e ser corretamente redigidas. Usa-se em geral a letra Courier no tamanho 12. Entre a fala de um e de outro personagem é deixado um espaço duplo. Os verbos estarão sempre no tempo presente, e a ordem das palavras deve corresponder à seqüência das ações indicadas.
Um exemplo:

(Na primeira página, somente o título da peça) O MISTERIOSO DR. MACHADO


(Na segunda página, todos os personagens da peça) PERSONAGENS
Frederico Torres, vereador.
Aninha, secretária de Frederico.
Dona Magnólia, mãe de Aninha.
Machado, médico, irmão de Dona Magnólia.
Sinval, motorista de Machado.
Robespierre, amigo da família.

(Macrorubrica) ÉPOCA: presente; LUGAR DA CENA: Rio de Janeiro


(Na terceira página, a macrorubrica) PRIMEIRO ATO
Casa de família da classe média. Sala de estar com sofá, abajur, consoles e outros móveis e apetrechos próprios. Uma saída esquerda, dá para o corredor. À direita, a porta principal, de entrada da casa.
É noite
(Macrorubrica) .

CENA I
Dona Magnólia, Aninha 
Dona Magnólia, recostada no sofá, lê um livro. (Rubrica objetiva).

ANINHA
 Entrando na sala (Rubrica objetiva). 

DONA MAGNÓLIA:
Levanta-se do sofá, tem numa das mãos o livro que lia (Rubrica objetiva).
Surpresa: (Rubrica subjetiva)
 O que aconteceu? Você nunca volta antes das 9 horas!

ANINHA
Mantem-se afastada da mãe, a poucos passos da porta. (Rubrica objetiva)
 Não fui ao trabalho. Saí apenas para um passeio. Eu precisava refletir... (Desalentada - Rubrica subjetiva) Mas não adiantou muito. Meus problemas são de fato problemas!

(Muda a Cena devido à entrada de mais um personagem) CENA II
Dona Magnólia, Aninha, Sinval.

SINVAL
Parado à entrada do corredor, tosse discretamente para assinalar sua presença. As duas mulheres
            voltam-se para ele
(Rubrica objetiva).
Dona Magnólia, vou buscar Dr. Machado. Está na hora dele fechar o consultório. 

ANINHA
Num ímpeto: (Rubrica subjetiva)
Não, Sinval. Hoje eu vou buscar meu tio. Vou no meu carro. Tenho um assunto para conversar com ele na volta para casa. 

SINVAL
Embaraçado: (Rubrica subjetiva)
Dona Ana... Às quintas-feiras ele não vem direto para casa... Eu é que devo ir. Ele voltará muito tarde.


*
Redação: papel e espaço. A folha de papel “ofício grande” é o mais prático para a redação do Roteiro. O texto no papel tamanho carta fica mais elegante, mas fica mal distribuído porque a folha é de tamanho reduzido. O espaço em branco extra neste caso serve para o diretor, os atores, e a equipe de produção fazerem anotações, correções e sugestões para melhorar o trabalho nos seus setores. Como dito acima, o tipo mais comumente usado em roteiros é o Courier n° 12. As peças, quando impressas em livros, têm formato mais econômico geralmente trazendo para uma linha só o que na pauta de trabalho está em linhas separadas.
As palavras e frases precisam ser impressas com clareza e, principalmente no Teatro Pedagógico, escritas com toda correção ortográfica e gramatical. É preferível a ordem direta, evitando-se o quanto possível os tempos compostos dos verbos. Porém, a linguagem usada deve ser aquela a que a média dos espectadores esteja habituada a usar no seu dia a dia, e os sentimentos mostrados pelos personagens devem ser expressos do modo como as pessoas em geral costumam expressá-los.
Se o texto é em versos, estes devem ser absolutamente simples. Através do apelo do seu ritmo podem oferecer ao dramaturgo oportunidades para efeitos emocionais que a prosa não lhe permitiria, mas devem ser escritos tanto quanto possível de modo a que pudessem ser falados com inteira naturalidade pelos atores, em lugar de declamados. Para isso, não deveriam incorporar palavras, ainda que bonitas, que não sejam usadas na conversação diária da média dos freqüentadores de teatro, e as palavras colocadas somente em sua ordem natural, e sem nenhuma inversão supérflua em benefício do ritmo.
Quando a fala de um personagem tem uma ou um conjunto de palavras a serem pronunciadas com ênfase, usa-se o itálico para assinalar essa ênfase. Exemplo:
                               


ANINHA
Mas não adiantou muito. Meus problemas são de fato problemas!



Será inevitável ter que escrever várias versões da peça, a qual poderá sempre ser modificada para melhor, à medida que, no decorrer da leitura de mesa ou nos ensaios, sugestões dos atores e da equipe técnica possam ser incorporadas ao roteiro. A abundância de espaço entre as linhas é um modo de facilitar anotar as alterações até a versão final. Porém, mesmo depois das primeiras apresentações o dramaturgo poderá ver-se na obrigação de fazer correções ou desejar aperfeiçoar algum ponto.
Tempo e Custos. Dois controles sobre a extensão e complexidade da peça são o Tempo e os Custos. No Grande Teatro o limite de tempo e os orçamentos são bastante elásticos. No caso do Teatro Pedagógico, porém, o Orientador Educacional no papel de dramaturgo precisa reduzir suas exigências a fim de economizar. Precisa estar atento a este aspecto ao escrever seu roteiro.
*
Como iniciar o drama? É uma boa idéia iniciar a partir de um detalhe dinâmico da história, deixando para o espectador imaginar o que possa ter ocorrido antes a partir dos diálogos iniciais que ele ouve. Não há ação dramática sem conflito. O tema de todo drama é, como visto (Noções de Teoria do Teatro), um confronto de vontades humanas. O objeto da peça não é tanto expor personagens mas também contrastá-las. Pessoas de variadas opiniões e propensões opostas chegam ao corpo a corpo em uma luta que vitalmente importa para elas, e a tensão da luta será aumentada se a diferença entre as personagens é marcante. Se a cena inicial é uma discussão entre um fiscal e um comerciante devedor dos impostos, logo os espectadores tiram várias conclusões sobre a situação dos dois protagonistas.
Concepção dos personagens. O personagem (ou "a personagem", quando for oportuno o emprego do feminino: o Aurélio dá como corretas as duas versões) será como um amigo ou um inimigo para o dramaturgo, e ele escreverá a seu respeito com conhecimento de causa, como se falasse de alguém que conhecesse intimamente. Embora na peça ele explore apenas alguma faceta em particular do caráter dessa figura imaginária, ele a concebe como um tipo completo, e sabe como ele se comportaria em cada situação da história a ser contada. Por exemplo: uma mulher devotada à religião e à sua igreja, que coisas ela aprova e quais outras reprova no comportamento das demais pessoas? Um indivíduo avarento, como age com os amigos e com que se preocupa em cada diferente situação do convívio social? Como reconhecer um escroque antes mesmo dele abrir a boca? Tudo isto requer muita observação relativa a como as pessoas revelam sua personalidade e o lado fraco ou forte de seu caráter. Com essa experiência de observação será fácil para o autor da peça construir seus personagens e montar em torno deles uma história de conflitos, concorrência, competição desonesta ou cooperação fraterna, e por aí desenvolver um drama que poderá ser ao mesmo tempo interessante e educativo.
Tudo no personagem precisa ser congruente, para que ao final algo surpreenda o espectador. Suas roupas, onde mora, suas preferências, seus recursos financeiros, sua facilidade ou dificuldade em fazer amigos, suas preocupações morais, se lê ou não livros e jornais, que diversões prefere ou se pratica ou não esporte, tudo isto deve concorrer em um personagem autêntico, sem contradições. Muito já se escreveu sobre pobres se tornarem ricos, e ricos ficarem pobres, e também sobre increus convertidos, ou almas boas que se deixam levar ao crime, mas a novidade em cada história será a tragédia envolvida nessa transformação, que leva alguém a um gesto que antes não se poderia esperar dele.
Personagens que têm uma motivação forte e cujas ações se dirigem sempre com objetividade no sentido do que buscam, sem medir os riscos, sempre são os personagens mais interessantes, mas esse empenho forte se torna, muitas vezes, seu lado fraco e vulnerável. Justamente uma ação que vai contra a inteireza de um tipo pode se transformar em um ponto alto na história, como seria o caso de um sovina que, depois de receber uma lição da vida, se comove com a situação de alguém e lhe dá um presente de valor. É quando o personagem quebra sua inteireza, antes bastante enfatizada, que surge um grande momento na peça.
O dramaturgo precisa, no entanto, resumir ao mínimo as características de seus personagens, porque será sempre mais difícil encontrar aquele ator que assuma a personalidade ideal por ele criada, e possa bem representá-la, e ainda preencher sua descrição de um tipo físico quanto à altura, peso, cor da pele, que seja corcunda ou coxo, tenha cabelo crespo ou liso, etc. Por isto, quanto ao físico, deve indicar somente características indispensáveis para compor um tipo, sem exigir muito nesse aspecto. A equipe técnica poderá completar a caracterização com os recursos disponíveis, seguindo a orientação do Diretor de Cena. Ela poderá inclusive preparar o mesmo ator para representar mais de um papel, se a caracterização for simples e a troca de vestimentas e demais caracterizações puderem ser feitas sem demasiado esforço e em tempo muito curto.
Ao escrever a peça, o dramaturgo deve dar a cada personagem um quinhão significativo de atuação, porém na proporção da importância do seu papel, e fazer com que cada um deles tenha algo por que lutar, algo que precisa alcançar. Deve pensar no entrelaçamento de todos os interesses entre si, e nos conflitos resultantes, e as conseqüências para os que vencerem e os que fracassarem. 
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Inspiração. A peça tem sua idéia central, relativa a um tema; seu título e todas as cenas devem guardar uma relação clara e objetiva com essa idéia. O interesse intelectual não é suficiente para fazer uma peça boa de se ver. O público quer passar por emoções de simpatia e também de auto-estima (opinar sobre o que assiste). A platéia procura, imóvel e estática, entender a mensagem de uma peça sofisticada, e ao final da representação está cansada, enquanto que, se ela desperta emoções, será, no mínimo,  uma peça interessante.
Há um número limitado, apesar de impreciso, de temas possíveis para o drama. Na opinião de vários críticos, esse número seria pouco mais, ou pouco menos, de vinte. Como todos eles já foram inúmeras vezes explorados pelo Teatro no decorrer dos séculos, fica impossível uma novidade na dramaturgia, exceto quanto ao modo de apresentar o tema. Assim, apesar de trabalhar com o velho, o dramaturgo precisa encontrar uma nova história, um novo estilo, fixar uma época (teatro histórico), a fim de emprestar originalidade à sua abordagem. Mas, se isto é o que acontece com o grande Teatro, no caso do Teatro Pedagógico é um pouco diferente: o tema é de natureza jornalística, ou seja, trata-se de uma mensagem a ser passada sobre um tema educativo momentâneo, de interesse atual. Porém, mesmo neste caso, a trama haverá de cair entre aqueles enredos possíveis na dramaturgia.
Escolhido o tema a ser explorado e criada a história a ser levada ao palco, o dramaturgo faz o Plano para escrever o seu roteiro. O Plano compreende o desenvolvimento de uma sucessão de cenas,  escritas uma a uma até a conclusão do drama. Embora existam diversas variáveis, a Estrutura clássica de fragmentação de um roteiro é conhecida como Ternário: As primeiras cenas – Primeiro Ato – fazem a Preparação (Protasis); nas seguintes – Segundo Ato – desenvolve-se o conflito inerente ao drama e o desenvolvimento da crise até o seu clímax (Epitasis); finalmente o desenlace – Terceiro Ato – com a solução do conflito (Catastrophe). 
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Realismo. O estilo realista no teatro é o que procura guardar fidelidade ao natural, correspondência estreita entre a cena vivida no palco e a vida real quanto aos costumes e situações da vida comum. Porém, se o dramaturgo escreve sua peça com muita exatidão, o espectador não terá nenhuma vantagem em assisti-la mais que observar a própria vida nela refletida. Se a peça mostra somente o que vemos na vida mesma, não fará sentido alguém ir ao teatro. A questão importante não é o quanto ela reflete exatamente da aparência da vida, mas o quanto ajuda a audiência a entender o sentido da vida. O drama tornará a vida mais compreensível se o autor descartar o irrelevante e atrair a atenção para o essencial.
Ênfase. No drama, é necessário aplicar o princípio positivo da ênfase de modo a forçar a platéia a focar sua atenção naquele certo detalhe mais importante do enredo. Um dos meios mais fáceis de ênfase é o uso da repetição. Ao escrever sua adaptação da obra literária à dramaturgia, o dramaturgo tem presente uma importante diferença entre o romance e a peça de teatro: esta última, sendo falada, não dá chance ao espectador de voltar páginas para compreender algo que lhe tenha escapado no início. Por esse motivo, os dramaturgos de um modo geral encontram meios de dar ênfase repetindo uma ou duas vezes, ao longo da peça, o que houver de importante no diálogo. A ênfase por repetição pertence ao diálogo e pode ser habilmente introduzida no script.
Em geral, pode ser dito que qualquer pausa na ação enfatiza "por posição" o discurso ou assunto que imediatamente o precedeu. O emprego de uma pausa como uma ajuda para a ênfase é de especial importância na leitura das falas, como um recurso a mais para o dramaturgo.  
Porém, há também momentos que emprestam ênfase natural à representação, como os últimos momentos em qualquer ato e, do mesmo modo, os primeiros momentos em um ato. Apenas os primeiros momentos do primeiro ato perdem esse poder, devido à falta de concentração dos espectadores que acabam de tomar seus lugares, ou são perturbados por retardatários que passam pela frente das pessoas já sentadas. Mas as ênfases nunca são colocadas na abertura de uma cena.
Para enfatizar o caráter de um personagem, colocam-se no texto repetidas referências à sua pessoa, de modo que na sua primeira aparição, o espectador já o conhece melhor que a qualquer dos outros personagens. É claro, existem muitos meios menores de ênfase no teatro, mas a maior parte destes são artificiais e mecânicos. A luz da ribalta é uma das mais efetivas. A intensidade de uma cena também pode ser criada, por exemplo, se a figura de um único personagem é projetada em silhueta por um raio de luz contra um fundo mal definido.  Mais tempo é dado para cenas significativas que para diálogos de interesse subsidiário.
Antítese. Uma cena de leve humor vir após uma cena em que se discute um assunto sério; ou uma agitação no bar ser seguida de uma cena tranqüila em um parque equilibram a encenação. A Antítese pode ocorrer em uma cena, mas é mais comum que seja empregada no equilíbrio de cena contra cena.
Clímax.  O clímax existe quanto a ação vai em crescente complicação, a cada ato, convergindo para um impasse cuja solução não é conhecida dos personagens e nem a platéia pode prever qual será. O clímax depende de certa corrida dos personagens para seus objetivos. Será difícil entender como clímax uma convergência muito lenta de acontecimentos. Os personagens precisam estar ansiosos por alcançar seus propósitos e agirem rápido nesse sentido, para que surja um verdadeiro impasse pressionando por uma solução urgente. Os dramaturgos normalmente colocam o clímax no segundo ato ato, conforme o Ternário acima referido (Protasis, Epitasis e Castrophe). Porém, se houver quatro,  começam a exploração do tema suavemente, no primeiro ato, fazem crescer a trama no segundo, e o enredo torna-se progressivamente mais complexo e insolúvel até a solução vislumbrada ao cair do pano do terceiro ato. As explicações acontecem no quarto ato, no qual é mostrado o destino de cada personagem,  vitoriosos ou derrotados, e paira no ar uma conclusão de natureza moral da qual os espectadores guardarão memória.
Suspense. O suspense, como o clímax,  existe quanto a ação vai, a cada ato, convergindo mais e mais para um final. No suspense, o espectador pode suspeitar o que está prestes a acontecer, mas os personagens envolvidos não percebem o que lhes está reservado. O caráter de cada personagem precisa ser logo conhecido pela platéia, assim como suas intenções; um reconhecido ser um velhaco na sua primeira entrada. Os outros personagens estão no papel de inocentes, descuidados, ingênuos, que desconhecem o que o velhaco lhes prepara, mas a platéia já sabe o que ele é e o que ele pretende, e pode suspeitar qual será o desfecho. O fato de a platéia ter esse conhecimento tem um efeito paradoxal, que é tornar mais interessante o suspense. 
Incorre em erro – que com certeza comprometerá o sucesso de sua peça –, o dramaturgo que cria em sua assistência a expectativa de uma cena extraordinária, exigida pela sua condução prévia da trama, e essa cena não se realiza como esperado, frustrando assim o suspense criado no espectador.
Recursos a evitar. Fazer um número grande de cenas curtas, fazer a história saltar vários anos para frente, ou fazer uso do recurso de flash back, isto cria confusão e irritação nos espectadores. Outros recursos que se deve evitar são: criar personagens invisíveis, que são descritos em minúcias mas que nunca aparecem no palco. Também prejudica o interesse da Platéia aquelas cenas em que um personagem deixa o palco e volta trazendo algum recado ou conta uma novidade. Outros ainda são os apartes e os solilóquios. 
O aparte consiste em o ator falar uma frase audível para a assistência mas que se supõe não seria ouvida por um outro personagem no palco, ou por todos os demais. O ator dá um passo fora da moldura do palco para falar confidencialmente com a platéia. O aparte contraria a regra de que o ator deve manter-se aparentemente alheio à sua audiência.
O solilóquio é chamado construtivo quando serve para explicar o progresso de uma trama de modo a deixar a história mais clara para o espectador, ou para encurtar o drama. É chamado reflexivo quando é empregado apenas para revelar à platéia certa seqüência de pensamentos de um personagem, sem que por meio dele o dramaturgo faça qualquer referência utilitária à estrutura da trama. Um bom ator pode fazer um solilóquio reflexivo sem perder a naturalidade. Embora o solilóquio reflexivo possa ser útil e mesmo belo, o solilóquio construtivo é tão indesejável como o aparte, porque força o ator para fora do contexto do mesmo modo.
Final Feliz. Conceber um final para uma história pode ser a parte mais difícil do trabalho criativo. Um final precisa corresponder ao fechamento lógico do drama desenvolvido nas cenas antecedentes. Não pode ser a solução de conflitos colocados apenas nas últimas cenas, nem a solução para os conflitos colocados no início, deixando-se de lado as complicações que se seguiram. O final feliz precisa ser crível, aceitável para os espectadores como a melhor opção, ou como desfecho claro e compreensível que satisfaz de modo inteligente ao suspense, traz o alívio que dissipa as tensões do clímax, e espalha um sentimento de compensação plena na platéia.
Rubem Queiroz Cobra
Lançada em 06-09-2006

Falando errado - evite

70 maneiras (e mais uma) de falar e escrever errado

 


A Tautologia é um dos vícios de linguagem. Consiste em repetir uma idéia, com palavras diferentes, meio parecida com pleonasmo ou redundância.

Que tal observar a lista de preciosidades cultivadas ao longo de décadas? Se vir alguma conhecida, não titubeie: cumprimente-a e dê-lhe adeus !!

01. Elo de ligação

02. Acabamento final

03. Certeza absoluta

04. Número exato

05. Quantia exata

06. Sugiro, conjenturalmente

07. Nos dias 8, 9 e 10 inclusive

08. Como prêmio extra

09. Juntamente com

10. Em caráter esporádico

11. Expressamente proibido

12. Terminantemente proibido

13. Em duas metades iguais

14. Destaque excepcional

15. Sintomas indicativos

16. Há anos atrás

17. Vereador da cidade

18. Relações bilaterais entre dois países

19. Outra alternativa

20. Detalhes minuciosos

21. A razão é porque

22. Interromper de uma vez

23. Anexo (a) junto a carta

24. De sua livre escolha

25. Superávit positivo

26. Vandalismo criminoso

27. Todos foram unânimes

28. A seu critério pessoal

29. Palavra de honra

30. Conviver junto

31. Exultar de alegria

32. Encarar de frente

33. Comprovadamente certo

34. Fato real

35. Multidão de pessoas

36. Amanhecer o dia

37. Criação nova

38. Retornar de novo

39. Freqüentar constantemente

40. Empréstimo temporário

41. Compartilhar conosco

42. Surpresa inesperada

43. Completamente vazio

44. Colocar algo em seu respectivo lugar

45. Escolha opcional

46. Continua a permanecer

47. Passatempo passageiro

48. Atrás da retaguarda

49. Planejar antecipadamente

50. Repetir outra vez

51. Sentido significativo

52. Voltar atrás

53. Abertura inaugural

54. Pode possivelmente ocorrer

55. A partir de agora

56. Última versão definitiva

57. Obra-prima principal

58. Gritar/ Bradar bem alto

59. Propriedade característica

60. Comparecer em pessoa

61. Colaborar com uma ajuda / auxílio

62. Matriz cambiante

63. Com absoluta exatidão

64. Demasiadamente excessivo

65. Individualidade inigualável

66. A seu critério pessoal

67. Abusar demais

68. Exceder em muito

69. Preconceito intolerante

70. Medidas extremas de último caso

71. A nível de...

Diante de uma critica adversa

Diante de uma crítica adversa

Domingos Oliveira


Quando recebo uma crítica adversa releio o bom Truffaut: "O artista cria a si mesmo. Torna a si mesmo interessante e depois entra numa vitrine. É um privilégio desde que se aceite o outro lado da moeda: o risco que envolve ser estudado, analisado, notado, julgado, criticado, negado". Aqueles que fazem o julgamento - os críticos - têm conhecimento da enormidade do privilégio do ato da criação, dos riscos que corre aquele que se expõe a ela e, em troca, sentem uma admiração secreta e um respeito que poderiam, pelo menos parcialmente, devolver a paz de espírito ao artista (se ele pudesse se lembrar disso).

Nas relações entre o artista e o crítico tudo acontece em termos de poder e, curiosamente, o crítico jamais perde a noção de que, na relação de poder, ele é o mais fraco. Mesmo que tente esconder esse fato por trás de um tom agressivo. O artista sempre acha que os críticos são contra ele porque sua memória seletiva benignamente favorece suas neuroses persecutórias.

Diante de uma má crítica, o artista deve também ter em mente uma outra ponderação: o prestígio. Não devemos confundir a obra com um prestígio conquistado através de anos de trabalho. Exceção feita ao Cidadão Kane, todos os outros filmes de Orson Welles foram severamente criticados quando de seus lançamentos, ou por serem loucos demais, ou barrocos demais. Ou shakespearianos demais (ou de menos). Mas a reputação e o prestígio de Welles não foram sequer arranhados. O mesmo vale, sem dúvida, para Buñuel e Bergman. Bertollucci é tão importante quanto Charles Chaplin; levando em conta que são iguais perante Deus, devem também sê-lo perante os críticos. Fora isso, só o tempo é que põe as coisas no lugar.

Mas por que nos aborrecemos tanto ao receber uma crítica adversa? Por que essa vontade de esganar os críticos, às vezes até boas pessoas? De onde vem essa revolta, esse sentimento de humilhação, de incompreensão; essa certeza de havermos sido desrespeitados? Em vez de negar, meditaremos.

O que é a crítica? Quem é a crítica? São jornalistas amantes da arte, interessados em nossa atividade. Mas que, por falta de vocação ou outro tipo de impossibilidade, não a exercem (de modo geral). Apenas a partir desse dado, é fácil verificar que eles representam um tipo muito especial de platéia, de espectador. Uma espécie de guardiães do tesouro, que apenas podem olhar, sem saírem da porta, o brilho de todo aquele ouro. É difícil manter integridade moral numa posição assim. E, no entanto, às vezes, alguns deles conseguem!

Além disso, trata-se de uma posição de poder. Dentro de um jornal e, particularmente, no que diz respeito à classe teatral. Afinal, são eles que distribuem os prêmios! É evidente que, para alcançar esse posto, pelo menos entre nós, o crítico tem de ser uma pessoa muito hábil, digamos assim. Uma definição exata de opiniões desagrada a gregos e troianos, fazendo com que o crítico tenda rapidamente a perder sua coluna.

Um outro valor, de igual ou maior monta, contribui para que os críticos sejam, de modo geral, não mais que opiniões indefinidas: é preciso coragem para exercer a função. Falando claro, eles são ao mesmo tempo adulados e odiados pela classe teatral inteira, classe esta que admiram e amam na medida em que são também gente de teatro. Enfim, não é fácil - e quase que obrigatoriamente - estar sobre o muro (cheios de cacos de vidro).

Some-se a issoo fato de que os críticos possuem um alto nível de informações sobre teatro, excesso este que muitas vezes conduzem a preconceitos. E ainda o fato de que vêem teatro demais, coitados. Como todos sabem, o teatro é, em geral, uma coisa chatísssima - isso naturalmente eleva seu nível de exigência, afastando assim, inexoravelmente, a inocência que uma opinião profunda deve obrigatoriamente possuir.

Juntando-se os fatores, conclui-se que a opinião de um crítico é, no mínimo, suspeita. Comprometida, no mínimo. Muito longe da opinião da platéia, no mínimo dos mínimos. Deve servir de referência para o artista, sem dúvida, é material de reflexão. Mas jamais deve ser levada a sério.

Não menos suspeita é a opinião dos amigos. Uma das razões mais fortes pelas quais faço teatro é, sem dúvida, agradar aos amigos. Tenho duas ou três pessoas na minha vida que se eles gostarem, então para mim já está ótimo. Mas também eles são gravemente suspeitos. Na medida em que não podem desvincular a obra do amigo que é também o autor. Também eles não devem ser levados muito a sério.

Bem, quanto aos conhecidos, ou amigos menos íntimos, bem, com estes todo cuidado é pouco. Quem já não mentiu desavegonhadamente naquela visita exótica que temos de fazer aos camarins, cumprimentar os amigos, depois de tê-los visto fazer um trabalho que achamos péssimo? E encontramos aqueles entes queridos - suados, exaustos, com um sorriso nervoso, perguntando o que você achou -sem a menor idéia daquilo que você tem certeza: que ele jamais deveria ter entrado em cena para fazer aquela besteira, que podia ter passado sem essa!

É preciso ser um herói moderno para não mentir nos camarins após as estréias. Pessoalmente, não acredito em nada do que me dizem nos camarins. Nem que seja repetido três vezes. Não acredito nem na minha mãe.

Um índice interessante é perguntar a um amigo fiel, que ainda não tenha visto a peça, o que é que andam dizendo por aí. Assim talvez você possa ter uma noção da repercussão do trabalho, pelo menos nos bares habituais. Seu amigo poderá dizer a você até que ponto falam mal, garantindo naturalmente que não achará nada disso, quando for lá ver.

Nem mesmo na opinião do público, revelada pela temperatura dos aplausos, é possivel confiar muito. Já vi peças ((aliás, já fiz peças) que o público adora, mas não recomenda (!). Quem vai, gosta, mas não manda ninguém ir ver...Como se a peça fosse a curra do ditado americano: "Se é inevitável, aproveite". Mas avise ao amigo para não passar nem perto. Impossível perceber como o mundo nos vê. É sem dúvida espesso o cristal de nossa redoma, mas existem ainda alguns critérios de avaliação da qualidade do trabalho. Um dos mais sérios, sem dúvida, é a bilheteria.

Um sucesso de bilheteria tem o significado inequívoco de aceitação do nosso trabalho por parte da sociedade em que vivemos. Embora paire sempre, sombriamente, no ar das cogitações o desejo de saber que parte do trabalho eles aceitaram. Terá sido a profundidade do texto, a firme coragem da direção...ou aquela atriz que acabou de fazer uma novela na TV Globo?

No rosto deles, quando aplaudem,também muito pode ser visto, para quem souber ver. Se, no final, os bonecos levantam, é porque a coisa vai!

E naturalmente há o correr do tempo. Do martelo de anos e décadas e séculos. Isso realmente arruma tudo. É pena que não fiquemos para ver, finalmente, quem é quem, embora o tempo também tenha o seu critério, que não é absoluto. O tempo julga segundo aquilo que interessa à "eternidade da espécie", só isso...

Assim sendo, diante do exposto, resta aconselhar - a mim mesmo e ao leitor - que não modere sua paranóia no sentido de considerar-se o juiz último e único da validez da própria obra. Juiz sem legislação ou critério, posto que, de tão vagos, todos serão fúteis, exceto do prazer com que foi criada a obra em questão. Absolutamente sós, na meio da noite infinda deste local desconhecido, criemos portanto. Na certeza infundada, porém convicta, de que não enlouquecemos ainda. E julguemos! Apenas levando em conta o brilho com o qual, no momento da criação, brilharam as estrelas sobre nossa única oval cabeça.
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O presente artigo foi extraído do livro Do tamanho da vida - reflexões sobre o teatro.